As agressões contra síndicos no Brasil deixaram de ser casos isolados e passaram a compor uma preocupante rotina em diversos estados do país. De ataques verbais a agressões físicas, passando por ameaças, calúnias e difamações — o que se vê é uma escalada de violência contra quem ocupa uma função essencial, mas ainda pouco reconhecida: a de síndico.
O caso recente da subsíndica Lorenna Salesneto, ocorrido em São Luís do Maranhão, é um triste retrato dessa realidade. Lorenna foi agredida por uma moradora, inquilina do condomínio Parque das Águas – Gran Park, enquanto apenas usufruía de um momento de lazer em um dos quiosques. A justificativa da agressora? A suposição de que Lorenna teria fotografado a área da churrasqueira ocupada por sua família. A acusação, sem provas, deu lugar à violência física, em um espaço comum.
A reação da síndica, no entanto, foi digna de nota: manteve-se serena, não revidou, defendeu-se verbalmente sem partir para ofensas e seguiu o caminho da legalidade, registrando boletim de ocorrência e submetendo-se a exame de corpo de delito. Sua postura profissional recebeu o apoio de síndicas de todo o Brasil, inclusive uma nota de repúdio do grupo Síndicas do Maranhão. E não foi por menos: ela representa tantas outras mulheres e homens que, em meio às exigências da administração condominial, enfrentam diariamente a intolerância e a hostilidade de quem confunde autoridade com autoritarismo, cobrança com perseguição, gestão com imposição.
A função de síndico está cada vez mais complexa. A responsabilidade cresceu, a legislação exige preparo técnico e jurídico, e a pressão dos moradores, muitas vezes desinformados sobre os limites e deveres da função, se intensifica. Lorenna, por exemplo, é aluna de um MBA em Administração de Condomínios com ênfase em Direito Condominial. Isso significa que ela investe tempo e recursos na qualificação para exercer seu trabalho com excelência — um trabalho que visa à coletividade, à segurança e à valorização dos lares de todos.
Quando o síndico vira alvo
Dados alarmantes corroboram essa escalada de violência: só na cidade de São Paulo, em 2020, foram registrados mais de 100 casos de agressão contra síndicos, segundo o Sindicato da Habitação (Secovi-SP). As causas são variadas — inadimplência, conflitos em áreas comuns, desinformação — mas o padrão é o mesmo: intolerância.
E, infelizmente, em alguns casos, a violência termina em tragédia. No início deste ano, o subsíndico Vinicius da Silva Azevedo foi assassinado após uma discussão sobre um vazamento de água em Campos dos Goytacazes (RJ). Esse caso não pode ser tratado como exceção, e sim como um alerta para a urgência de se adotar políticas de proteção e responsabilização dos agressores.
O Projeto de Lei 3.533/2023, em tramitação no Senado, é um passo importante. De autoria da senadora Soraya Thronicke (MS), o texto propõe a agravante de pena para crimes cometidos contra síndicos, assim como já ocorre em outras categorias expostas a risco, como professores. É um reconhecimento mínimo da vulnerabilidade da função e da necessidade de amparo legal reforçado.
O direito de crítica e de questionamento da gestão não pode jamais ser confundido com permissão para humilhar, agredir ou ameaçar. Palavras ferem. Gritos constrangem. Insinuações em grupos de WhatsApp podem configurar crimes contra a honra — calúnia, difamação, injúria — além de ensejarem ações cíveis por danos morais. Quando há provas — prints, testemunhas, vídeos — há caminho para a responsabilização judicial. O abuso de direito, previsto no artigo 187 do Código Civil, deve ser enfrentado com firmeza. Passou da hora de normalizar agressões disfarçadas de “liberdade de expressão”.
Sabotagens físicas às instalações do condomínio, como quebra de equipamentos ou obstrução proposital de funcionamento de portões, também configuram atos ilícitos e, dependendo da gravidade, crime.
Quem cuida do condomínio precisa de proteção
É dever de todos — condôminos, administradoras, associações, conselhos e o próprio poder público — criar um ambiente seguro para quem exerce o papel de síndico. Isso inclui aplicação rigorosa de multas por comportamento antissocial, conforme previsto nas convenções condominiais; convocação de assembleias específicas para avaliar condutas agressivas; adoção de medidas judiciais inibitórias, como ordens de restrição e proibição de contato com o síndico; contratação de advogado pessoal para o síndico, a fim de garantir sua defesa com isenção e promoção de campanhas educativas sobre respeito e convivência em comunidade.
Ao contrário do que muitos pensam, o síndico não é inimigo, é guardião da coletividade. E, como qualquer profissional, merece respeito, segurança e reconhecimento. A agressão contra um síndico é uma agressão contra a boa convivência. É um ataque ao espírito de comunidade.
Nossa solidariedade à Lorenna e a todos os síndicos e síndicas que, mesmo diante das adversidades, seguem com coragem, firmeza e ética. Que seu exemplo inspire mudanças, leis mais justas e, sobretudo, mais humanidade nas relações condominiais.
Cleuzany Lott é especialista em Direito Condominial, Presidente da Comissão de Direito Condominial e Membro da Comissão de Direitos dos Animais da 43ª Subseção da OAB-MG em Governador Valadares, 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial de Minas Gerais, Diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM). Cursando MBA em Administração de Condomínios e Síndicos com Ênfase em Direito Condominial – Conasi, atua também como síndica, jornalista, palestrante, CEO do Condominicando.