A venda de veículos elétricos no Brasil está prestes a superar 200 mil unidades em 2025, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) — um aumento de 13% a 21% em relação aos 177.358 emplacamentos de 2024. Mas o avanço desse mercado tem exposto um desafio que vem tirando o sossego de muita gente ao redor do país: como instalar, com segurança, os carregadores em residenciais e edifícios?
O problema em questão virou uma grande dor de cabeça para o jornalista Daniel Castro, de 58 anos, morador de um edifício de 14 andares na Bela Vista, região central de São Paulo. Na mesma assembleia em que foi eleito síndico, em março deste ano, ficou definido que a então síndica poderia instalar um carregador na própria vaga, arcando com os custos. No entanto, a ausência de uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de um engenheiro eletricista levou Daniel a contestar o procedimento, dando início a uma disputa interna que culminou na sua destituição do cargo sete meses depois.
“Quando eu fui eleito, já existia uma decisão da assembleia permitindo que até três moradores instalassem carregadores, puxando um cabo direto do relógio da unidade. Só que, ao tentar cumprir isso, percebi que não é tão simples. Não se trata só de puxar um fio. O prédio é de 1965, a garagem é subterrânea, apertada e pouco ventilada. Não existe, até hoje, uma norma definitiva do Corpo de Bombeiros sobre como instalar carregadores nesses ambientes. Isso coloca o síndico numa situação de risco jurídico”, explicou o jornalista ao BNews.
Durante o processo, a ex-síndica chegou a levar um fornecedor para começar a instalação “sem avisar ninguém, sem ART, sem projeto, sem estudo de demanda elétrica”, o que, para Castro, seria uma grande “gambiarra”.
Pensando na segurança dos moradores, Daniel contratou um estudo de demanda, que mostrou que o prédio está no limite da capacidade, podendo apresentar problemas caso haja instalação de um simples aparelho de ar-condicionado ou até mesmo do carregador de carro elétrico, como é o desejo da moradora.
“O que o estudo propunha era uma atualização da nossa estrutura elétrica. Teria que trocar todo o cabeamento, todas as instalações elétricas, inclusive os cabos que sobem para todos os apartamentos, por equipamentos novos. É um prédio de 65 anos, tem muita coisa defasada, fora da norma e precisa atualizar. Mas se criou um impasse, e foi necessário convocar uma nova assembleia para aprovar verba para contratar uma empresa para elaborar um projeto de adequação elétrica”, disse.
No documento o qual o BNews teve acesso, o laudo executado pela empresa ZNK conclui que “não é recomendada a instalação de novos equipamentos de alto consumo, tais como aparelhos de ar-condicionado, banheiras de hidromassagem, aquecedores elétricos, chuveiros ou torneiras elétricas e carregadores veiculares, em nenhuma nenhuma das unidades, incluindo a administração”.
A apresentação do documento não foi suficiente. Outros dois moradores, que também desejavam adquirir carros elétricos e, consequentemente, instalar carregadores em suas respectivas vagas, contrataram um novo estudo, que atestou que há energia suficiente para o projeto — desde que fossem feitas adequações. O posicionamento contrário de Daniel quanto às mudanças resultou em uma nova assembleia e, consequentemente, em sua destituição do cargo de síndico.
Segundo Daniel, a frustração foi grande, já que sua prioridade sempre foi garantir a segurança de todos os moradores dos 14 apartamentos. Para os demais condôminos, no entanto, ele perdeu o cargo por não acatar uma decisão anterior da assembleia que permitia a instalação do ponto de recarga.
“A questão não é que eu sou contra, é que é uma gambiarra. Tem a questão da segurança contra incêndios, e o Corpo de Bombeiros até hoje não regulamentou isso. Não há recomendação deles para a instalação de carregadores elétricos em garagens subterrâneas de prédios residenciais”, desabafou.
Em abril de 2024, o Corpo de Bombeiros submeteu para consulta pública sugestões de diretrizes, que previam detector de incêndio, chuveiros automáticos, cinco metros de distância entre veículos ou, então, parede corta-fogo separando o automóvel em recarga. No documento, a corporação justificava a urgência da regulamentação “devido ao potencial risco de ignição das baterias de lítio, que podem aumentar consideravelmente a carga de incêndio”, mas, até hoje, nada foi definido.
“A discussão nunca foi contra carros elétricos. A questão é segurança. Se acontecer um incêndio em uma garagem subterrânea, é praticamente impossível controlar. E sem norma dos Bombeiros, se algo der errado, o síndico responde civil e criminalmente. Preferi ser destituído a autorizar uma instalação insegura. E foi o que aconteceu. Fui destituído porque não aceitei fazer a obra sem projeto e sem garantias”, desabafou.
Ao Estadão, a nova síndica do edifício, Cora Andraus, declarou, em nota, que a destituição seguiu “estrita observância dos requisitos legais e transcorreu de forma responsável e democrática”. Afirma ainda que “eventual futura implantação [de carregadores elétricos] seguirá todas as normas vigentes e será acompanhada por engenheiro habilitado”.
O que dizem as diretrizes
De acordo com o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (LigaBom), as novas diretrizes sobre a instalação de carregadores de carros elétricos definem a inclusão de um detector de incêndio, chuveiros automáticos e botão de desligamento de emergência sinalizado.
“A urgência desta atualização é corroborada por sinistros de grande magnitude, que demonstraram a rápida propagação de incêndios, culminando em danos extensivos e, em alguns casos, no colapso estrutural das edificações”, citou a entidade.
Segundo Ricardo Basto, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico, o setor concorda com a maioria das recomendações da LigaBom, exceto a obrigatoriedade do chuveiro automático. “Entendemos que ainda não há maturidade na discussão sobre a efetividade de segurança deles, e até mesmo de avaliação de seu custo econômico”, disse ao Estadão.
O custo de instalação do carregador residencial varia de R$ 2 mil a R$ 3 mil, além do preço do equipamento, que vai de R$ 6 mil a R$ 8 mil.
Fonte: BNews

