A relação entre animais e humanos cresce a cada dia, sendo os animais considerados como seres sencientes, dotados de dignidade própria, devendo ter seu direito fundamental a vida digna observado.
E o direito animal é um novo ramo do Direito, formado por leis federais, estaduais, municipais, princípios próprios, como o princípio da dignidade animal, jurisprudência e doutrina. O direito animal traz a perspectiva do animal como um individuo, que possui direitos fundamentais a existência digna, tendo como base a Constituição da Republica Federativa do Brasil, que em seu art. 225, § 1̊, VII, traz a regra da proibição da crueldade animal.
É da regra da proibição da crueldade animal que se extrai a senciência animal que é “a capacidade de sentir dor, experimentar sensações e sofrimentos físicos e psicológicos”. E a partir da senciência animal é que surge o direito à vida digna dos animais, que deve ser assegurada pelo poder público e toda a sociedade.
Por outro lado, existe o direito de propriedade, que é o direito que indivíduos ou organizações têm de controlar o acesso a bens de que são titulares. O proprietário tem, sobre sua propriedade, o direito de uso, prazer e disposição.
Ambos os direitos devem dialogar, buscando uma convivência harmônica entre os interesses, principalmente quando se vive em condomínio, em que a harmonia deve prosperar a fim de que os direitos fundamentais dos humanos e animais sejam respeitados.
Observa-se que, cada vez mais, o judiciário brasileiro vem sendo acionado a se manifestar acerca dos direitos dos animais comunitários que são aqueles que estabelecem laços de dependência e manutenção com a comunidade em que vivem. Eles têm direito de permanecer no local onde se encontram, a não ser que este local ofereça quaisquer riscos a sua integridade física, sob a atenta vigilância e os cuidados do Poder Público, conforme o disposto no Art. 28 da Lei Municipal do Rio de Janeiro n.º 6.435/2018:
Art. 28. O animal comunitário deverá ser mantido no local onde se encontra, a não ser que este ofereça quaisquer riscos a sua integridade física, sob a atenta vigilância e os cuidados do Poder Público, cujas atribuições estão relacionadas a seguir:
I – prestar atendimento médico-veterinário;
II – realizar esterilização;
III – proceder à identificação a ser feita por meio de cadastro renovável anualmente (RIO DE JANEIRO, 2018).
O Poder Público tem o dever de manter a vigilância e o cuidado dos animais comunitários, prestando atendimento veterinário, realizar a esterilização e a identificação por meio de um cadastro renovável anualmente.
Os responsáveis por esses animais são membros da comunidade que com ele tenham estabelecido vínculos de afeto e de dependência emocional recíproca e que, para tal fim, se disponham voluntariamente.
O direito dos animais comunitários positivados em várias legislações infraconstitucionais, como no Código Municipal de Direito e Bem-Estar Animal do Município do Rio de Janeiro, vem sendo reconhecidos pela justiça brasileira, como pode ser observado em recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que reconheceu o direito de gatos que viviam em determinado condomínio da Zona Oeste de permanecem na área externa do condomínio, onde viviam, ficando tais animais sob a responsabilidade de protetores que vivem no local. Tais animais foram reconhecidos como animais comunitários.
Outra decisão recente ocorreu no estado do Mato Grosso do Sul, onde o gato Frajola foi reconhecido como animal comunitário do Condomínio Parque Residencial Mangaratiba, em Campo Grande (MS), permanecendo o animal no local onde vivia, aos cuidados dos protetores do local.
Mesmo nas cidades/estados que não apresentem legislação específica sobre o tema, a eles é garantido o direito à vida, liberdade comportamental, integridade física e psicológica, alimentação, assistência veterinária e moradia, como ocorreu em um condomínio no bairro Tanque da Nação, em Feira de Santana, a 100 quilômetros de Salvador, que foi impedido pela Justiça de expulsar os gatos que vivem nas áreas comuns do residencial.
Uma dúvida muita recorrente é em relação à possibilidade dos condomínios de colocar vasilhames com alimentação e água no espaço comum do condomínio. E tal possibilidade tem amparo na legislação do município do Rio de Janeiro, por exemplo, no art. 28-A da Lei 6.435/2018 veda a conduta de impedir, por qualquer meio, o fornecimento de alimentação, água ou assistência médico-veterinária aos animais comunitários, bem como a subtração ou destruição dos utensílios utilizados para acomodar a alimentação e a água, por exemplo. A não observância da lei configura crime de maus-tratos, conforme art. 32 da Lei 9.605/98.
Portanto, havendo conflito de interesses entre o os direitos dos animais e direito de propriedade, é preciso, através do bom senso, se chegar a uma solução harmônica que não prejudique o direito de ambas as partes. Regras devem ser estabelecidas, como por exemplo, estabelecer um espaço e horário para a colocação de alimentos e água, por exemplo, e ter um responsável para verificar das necessidades dos animais, a fim de não prejudicar o direito dos condôminos.
Assim, regras de conduta fazem parte de uma boa convivência em um condomínio e uma vez essas regras descumpridas, conflitos entre os moradores podem ser gerados. E buscando essa convivência harmônica e o cumprimento da lei é preciso um diálogo cada vez maior entre condomínio, condômino e poder público. O direito termina quando começa o direito do outro, e, por isso, é preciso chegar a um consenso para que o direito dos animais seja respeitado, e o direito de propriedade também.
Artigo da advogada Camila Prado dos Santos
Presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da Associação Brasileira de Advogados – ABA/RJ. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Animal pela ESMAFE-PR/UNINTER. Fundadora do Direito Animal em Movimento.