A disputa pela vaga de garagem num condomínio de Santos (SP) terminou na Justiça. De um lado, o dono do apartamento pediu a reintegração de posse, afirmando que a vaga está vinculada à sua unidade e ocupada irregularmente por outro morador. Do outro lado, o ocupante do espaço alegou exercer posse mansa, pacífica e contínua há mais de três décadas e apresentou contrato particular de compra e venda. O documento, porém, não foi aceito pelo Judiciário, que o considerou, entre outras coisas, “desprovido dos requisitos formais exigidos para a transmissão da propriedade imobiliária”.
Vaga da garagem vinculada ao imóvel
Ao pedir a reintegração de posse da garagem, o autor afirmou que adquiriu o apartamento em julho de 2022 e identificou que a vaga vinculada à unidade era utilizada por outra pessoa.
Descreveu que a vaga em questão foi subdividida em dois boxes, possuindo dois lançamentos na Prefeitura de Santos. A garagem em disputa é a identificada como Box 1, já que a segunda pertence aos antigos donos do apartamento.
Para provar a propriedade, apresentou matrícula do imóvel que descreve o exato local da garagem que lhe pertence. Apontou, ainda, que o outro morador utiliza duas vagas: a que realmente pertence a ele e a que está em disputa.
Além da reintegração, pediu o pagamento de indenização pelo uso indevido desde julho de 2022, data de quando adquiriu o apartamento.
O outro lado
Citado, o outro morador, que ocupa a vaga em questão, se defendeu e sustentou ser o legítimo possuidor desde 10 de outubro de 1986. Apresentou, inclusive, compromisso particular de compra e venda.
Alegou exercer posse mansa, pacífica e contínua há mais de três décadas, com conhecimento e anuência dos anteriores proprietários da unidade habitacional, e por isso pediu a improcedência da ação.
Contrato inválido
A ação foi julgada no dia 12 deste mês pelo juiz Raul Marcio Siqueira Junior, da 1ª Vara Cível de Santos. O magistrado analisou o documento apresentado pelo réu e o considerou inválido.
O magistrado apontou dois motivos:
1) A garagem constitui parte acessória da unidade autônoma, nos termos da especificação condominial e da convenção do edifício, não possuindo matrícula própria no Registro de Imóveis: “Consoante dispõe o artigo 1.331, § 1º, do Código Civil, as partes acessórias de uso exclusivo seguem o regime jurídico da unidade autônoma principal, sendo juridicamente inviável sua alienação isolada, salvo expressa previsão em contrário na convenção condominial e registro autônomo no cartório competente. No caso vertente, inexiste qualquer deliberação assemblear que tenha autorizado o desmembramento ou a alienação autônoma da vaga de garagem, permanecendo esta indissociavelmente vinculada à unidade habitacional”.
2) O documento acostado pelo requerido constitui mero instrumento particular, desprovido dos requisitos formais exigidos para a transmissão da propriedade imobiliária: “Nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, a aquisição da propriedade imóvel somente se opera mediante registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis competente, precedido, quando se tratar de valor superior ao legal, de escritura pública. O singelo recibo particular apresentado não possui aptidão jurídica para transferir direitos reais sobre imóvel, constituindo, quando muito, prova de intenção negocial entre particulares, sem qualquer eficácia erga omnes”.
Raul concluiu ser injusta a posse exercida sem causa jurídica que a justifique, independentemente da boa ou má-fé do possuidor. “No caso em apreço, restou demonstrado que o requerido exerce a posse sobre o ‘Box 1’ sem título hábil que a legitime, configurando-se, destarte, a injustiça possessória apta a ensejar o acolhimento do pedido reivindicatório. A alegação de exercício de posse mansa, pacífica e contínua não elide a ausência de justo título, sendo certo que a mera tolerância dos anteriores proprietários não possui o condão de conferir direito real ao ocupante”.
Além da invalidade do contrato, o magistrado entendeu que o autor comprovou documentalmente que é o legítimo proprietário da garagem, já que ela está vinculada à unidade que ele adquiriu.
Sentença determinou desocupação da garagem
Ao sentenciar, o juiz determinou a desocupação voluntária da garagem no prazo de 15 dias, sob pena de cumprimento coercitivo.
Também condenou o morador que a ocupava ao pagamento de indenização pelo uso indevido, correspondente a 0,5% do valor venal do imóvel ao mês, desde julho de 2022 até a efetiva desocupação. Cabe recurso contra a sentença.
Fonte: Diário de Notícia