A aposentada Maria Zilda Cavallari, de 68 anos, não sabe como vai pagar a dívida de R$ 120 mil que deve ao condomínio, onde tem imóvel, no centro expandido de São Paulo. Ela não vive no local desde 2005. O débito aumentou, diz ela, porque seus locatários não pagavam as contas em dia. Para se ter ideia, o último ficou oito anos sem quitar nada. Atualmente, a mensalidade é de R$ 840. Por causa da falta de pagamento do condomínio, o apartamento já foi a leilão três vezes, mas não foi arrematado. “A qualquer momento posso perder a casa por uma dívida que, no fim das contas, não é minha e que não tenho como pagar”, diz.
Antes dos leilões, ela tentou vender o apartamento de 70 metros quadrados por R$ 390 mil, preço abaixo do mercado imobiliário, mas não obteve sucesso. Agora, sua esperança é encontrar um comprador disposto a pagar o valor pelo imóvel, já que ela não tem mais condições de mantê-lo. “Tento vender mais barato para que o interessado possa pagar a dívida e pôr fim a esse imbróglio”, explica.
Segundo o especialista em direito imobiliário pela Escola Paulista de Direito, Bruno Tavares, qualquer imóvel pode ser penhorado devido a débitos condominiais, mesmo que a família resida nele. A dívida de condomínio está associada ao imóvel, e não à pessoa que o ocupa. Se o locatário não pagar as taxas condominiais, o proprietário pode acabar perdendo o imóvel em um leilão devido à inadimplência dessas cotas.
Isso acontece porque a dívida de condomínio é considerada uma dívida propter rem, ou seja, uma dívida que está ligada ao próprio imóvel, independentemente de quem o ocupa. Portanto, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é sempre do proprietário do imóvel, e não do locatário. “Mesmo que o contrato de locação estipule que o locatário deve pagar as cotas condominiais, a obrigação de garantir esse pagamento é, legalmente, do proprietário. Em casos de inadimplência, o condomínio tem o direito de cobrar diretamente do proprietário”, explica Tavares.
O leilão do imóvel é a medida mais extrema que pode ser tomada contra quem está inadimplente. Em geral, essa ação só é realizada se o devedor não tiver outros bens para oferecer ou depois do julgamento dos embargos no processo. Após o leilão, o montante referente à dívida é repassado ao condomínio, enquanto o restante do valor vai para o proprietário.
“Quando o processo é comunicado pelo síndico, o dono do imóvel precisa imediatamente apresentar embargos para tentar suspender a ação ou negociar um acordo com o condomínio. Essa última é a mais aconselhável porque você não perde tempo e evita longos processos judiciais. O ideal é parcelar a dívida ao mesmo tempo em que paga a mensalidade atual”, orienta o especialista.
Segundo Tavares, é raro que a decisão do juiz favoreça o devedor. “Não pagar o que se deve é errado. Quem não consegue arcar com as despesas deve procurar um lugar mais acessível para morar”, afirma.
Mas ele também pontua que o condomínio nem sempre está correto. A cobrança de taxas que não foram aprovadas em assembleia pode permitir que os proprietários ganhem a ação.
Quantidade de imóveis disponíveis para leilão triplica
O número de imóveis disponíveis para leilão pela Caixa Econômica Federal triplicou em um curto período, conforme levantamento da Escola de Negócios Digital Smart Leilões. Em maio de 2022, havia cerca de 7,7 mil imóveis ofertados em leilões organizados pela Caixa. Em maio de 2024, esse número disparou para 25,5 mil unidades, representando um aumento de 228%.
O principal motivo para a alta dos leilões de imóveis é a inadimplência, que é diretamente influenciada pelos altos juros nos financiamentos imobiliários e pela crise financeira, diz o advogado e especialista em direito imobiliário, Marcelo Tapai. “Enquanto a taxa de juros permanecer alta e a taxa de empregos não crescer, é de se esperar que a inadimplência continue alta”, analisa.
Segundo ele, muitas famílias, ao enfrentar dificuldades econômicas e sem ter renda suficiente, acabam não conseguindo pagar as parcelas do imóvel e se tornam inadimplentes. Em um financiamento imobiliário, na maioria dos casos, o imóvel permanece como propriedade do banco enquanto as parcelas estão sendo pagas, e o comprador é apenas um possuidor até quitar a dívida. “Se a parcela não é paga o banco rapidamente retoma o imóvel e o manda para um leilão extrajudicial, sem um processo ou ação judicial. Tudo é muito rápido e fácil para os bancos e o mutuário não tem como se defender da expropriação do bem”, afirma.
Em geral, síndicos e administradoras realizam uma cobrança administrativa para tentar recuperar os valores devidos. Se essa tentativa não for bem-sucedida, explica Tapai, o caso pode se transformar em uma ação judicial. Se o devedor não efetuar os pagamentos após a decisão judicial, o juiz pode determinar o leilão do imóvel, que poderá ser vendido até pela metade do valor de mercado.
Como os leilões de imóveis por dívidas podem atrapalhar a vida do investidor?
A compra de imóveis em leilão pode parecer atrativa à primeira vista devido aos preços reduzidos, mas os investidores precisam estar cientes dos riscos envolvidos. “Muitos imóveis leiloados estão ocupados pelos antigos proprietários ou por inquilinos, o que pode demandar um longo processo judicial para desocupação”, explica o economista e especialista em investimentos imobiliários, Carlos Nunes. “Isso não só implica em custos adicionais, mas também em um longo período de tempo em que o investidor não terá retorno sobre o investimento, pois não poderá vender ou alugar o imóvel”, alerta.
Além das questões de desocupação, há também o risco associado à condição do imóvel. Como o comprador geralmente não tem acesso ao imóvel antes do leilão, ele pode acabar adquirindo um bem com problemas estruturais sérios ou dívidas que não estavam previstas inicialmente. “É comum que os imóveis leiloados estejam em más condições de conservação, o que exige um investimento considerável para reforma e reparos, e o que parecia barato pode virar dor de cabeça. É simples de entender: esses custos adicionais podem transformar um negócio que parecia lucrativo em um prejuízo”, pontua Nunes.
Outro ponto de atenção para os investidores é a possível desvalorização de imóveis em áreas com muitos leilões. Se uma grande quantidade de imóveis em um condomínio ou bairro for a leilão devido à inadimplência, isso pode afetar a percepção de valor da área e diminuir o preço dos imóveis já existentes. Essa queda nos preços pode comprometer a rentabilidade do investimento, especialmente para aqueles que dependem da valorização imobiliária para obter lucro.
Diante desse cenário, especialistas recomendam avaliar o histórico do imóvel, verificar eventuais pendências jurídicas e entender os custos envolvidos. “Investir em imóveis leiloados pode ser uma boa oportunidade, mas requer conhecimento e uma estratégia bem planejada”, finaliza Nunes.