Ao completar sua maioridade, o atual Código Civil já passa por reformulação. Recentemente, uma comissão de juristas entregou ao Senado Federal um anteprojeto com 280 propostas de alteração. E o assunto condomínios não ficou de fora, com vários itens abordados. A proposta ainda será analisada e, possivelmente alterada, mas já cria expectativa entre advogados condominialistas. Muitos acreditam que as demandas servirão para pacificar entendimentos já existentes, mas não solucionarão problemas enfrentados no cotidiano. A Meu Condomínio ouviu três especialistas sobre o assunto e recebeu do Senado Federal cópia do anteprojeto (confira o documento na próxima página).
Especializado em Direito Condominial e sócio do escritório Coelho, Junqueira e Roque Advogados, que representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro, o advogado André Luiz Junqueira trabalhou nos últimos dois anos em um anteprojeto para nova Lei Condominial em um grupo de trabalho forma[1]do por membros da Comissão de Direito Imobiliário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB-RJ.
Para ele, ao que parece, a reforma pretende adaptar um pouco o Código Civil à jurisprudência dominante, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “É uma diretriz louvável, mas que se mostra insuficiente para o que a sociedade precisa, pois, sobretudo em condomínios, a cultura da litigiosidade e os problemas gerados com textos legais ultrapassados ainda fomentam muitos conflitos. A solução mais adequada é uma lei especial nova para condomínios, em vez de trabalhar em uma codificação. Mas compreendemos que existe uma ‘janela’ legislativa e nem sempre conseguimos aprovar o que desejamos, pois o processo de debate e aprovação no legislativo é bem complexo e parece que a comissão está bem ciente disso. Logo, se aprovadas as alterações, não creio que os Tribunais terão dificuldades em se adaptar às mudanças”.
Também especialista em Direito Condominial, o advogado e professor Cristiano de Souza Oliveira diz que a nova proposta de alteração do Código Civil alega preservar os conceitos originais introduzidos na sociedade brasileira pelo Prof. Miguel Reale no Código Civil vigente, mas acaba por “se preocupar mais com interpretações jurisprudenciais e conceitos doutrinários, os quais no campo condominial, ainda possuem um grande ranço da lei 4591/64, trazendo assim à proposta, no campo condominial, a velha ideologia de engessamento pelo regramento padronizado, que tanto Reale combateu”.
Para o advogado, o projeto está mais preocupado em sanar dúvidas pela existência da lei, o que acaba por criar outras, pelo apego acadêmico focado na máxima que a lei determina, quando esta, no atual código, transfere ao condomínio uma autorregulamentação.
– Uma proposta com poucas luzes práticas aplicadas aos condomínios, ou ainda com luzes focadas em apenas uma visão, deixando à margem a auto regulamentação, inclusive conceitual, que acaba beirando um retrocesso social no direito condominial.
Entre as mudanças propostas no que se refere a condomínios, Cristiano de Souza Oliveira cita como exemplo: “Enquanto no campo geral das propriedades, reconhece-se o imóvel como integrante da ordem econômica (ganhar dinheiro com a propriedade), tal qual fala o art. 170 da Constituição, quando esta propriedade é inserida nos condomínios, passamos a observar uma quebra deste conceito, tal como: a possibilidade de exclusão de condôminos antissociais por julgamento administrativo das assembleias; restrição ao uso de representatividade; restrição ao recebimento de visitas; entre outros”, explica acrescentando que as mudanças, ainda que poucas em questão de quantidade de artigos, são suficientes para bancar grande número de ações judiciais futuras, se mantidas, e mais, capazes de gerar grande discussão sobre constitucionalidade das mesas.
Para o professor, o anteprojeto, por privilegiar a jurisprudência e doutrina clássica, não mantém o conceito original do código atual, perde a oportunidade de aprimorar e enrijece com conceitos e preocupações de buscar soluções, gerando outras confusões que fatalmente serão tratadas nos tribunais: “O Anteprojeto, por falta de luzes práticas e ancorado no conceito passado da lei de 64, no campo condominial, é um retrocesso à sociedade”.
Também atuante na área condominialista, a advogada, síndica e palestrante Amanda Accioli fala que o assunto traz muitas divergências e cita como exemplo: “Vejo essa disposição no projeto, que fala dos pequenos espaços comuns, um pouco vago. O que é um espaço comum? Para você pode ser um espaço comum determinada área do condomínio e, para mim, pode ser outra. Mas acredito que uma assembleia possa dirimir essas questões. Outra pecha que nós temos, que é a normatização do entendimento do judiciário que o condomínio é, sim, uma personalidade jurídica. E eu concordo plenamente com isso. Porque já, há muito tempo, é reconhecido no dia a dia, até pelas transações que faz, contrata serviços, contrata pessoas, enfim, como uma entidade legal, que é distinta de quem é proprietário de unidades”, exemplifica.
Outra questão apontada por Amanda diz respeito ao fato de, pela primeira vez, o Código Civil fazer menção à existência do Conselho Construtivo: “Nós sabemos que hoje, em lei, apenas temos o Conselho Fiscal para fiscalizar as contas e tudo mais. O Conselho Construtivo, quando temos nos condomínios, está sempre bem descrito na Convenção Condominial. Aí o Código Civil iria pela primeira vez dar essa chancela ao Conselho Construtivo. Também vai falar que o gestor, ele também vai dar essa abertura de que o gestor do condomínio, ou seja, o síndico pode ser remunerado, coisa que também ficava em aberto no atual Código Civil.
Isso é muito bom, pode ser até um primeiro passo para que o síndico, o síndico profissional tenha o seu cargo como uma profissão legalizada, pode ser um primeiro passo para isso, já que ele vai especificar o próprio Código Civil, que é uma lei federal, vai especificar que o gestor pode ser remunerado”, conclui.
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